Quando a morte se senta à mesa
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Por Aline
Scarso*
O
documentarista Silvio Tendler fala de “O veneno está na mesa”, seu
filme-denúncia sobre o modelo adotado na agricultura brasileira.
Silvio
Tendler é um especialista em documentar a história brasileira. Já o fez a
partir de João Goulart, Juscelino Kubitschek, Carlos Mariguela, Milton Santos,
Glauber Rocha e outros nomes importantes. Em seu último documentário, Silvio
não define nenhum personagem em particular, mas dá o alerta para uma grave
questão que atualmente afeta a vida e a saúde dos brasileiros: o envenenamento
a partir dos alimentos.
Em “O veneno está na mesa”, já lançado, o documentarista mostra que o Brasil está envenenando diariamente sua população a partir do uso abusivo de agrotóxicos nos alimentos. Em um ranking para se envergonhar, o brasileiro é o que mais consome agrotóxico em todo o mundo, sendo 5,2 litros a cada ano por habitante. As consequências, como mostra o documetário, são desastrosas.
Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, Silvio Tendler diz que o problema está no modelo de desenvolvimento brasileiro. E seu filme, que também é um produto da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, capitaneada por uma dezena de movimentos sociais, nos leva a uma reflexão sobre os rumos desse modelo.
Confira a entrevista:
Você que é um especialista em registrar a história do Brasil, por que resolveu documentar o impacto dos agrotóxicos sobre a agricultura e não um outro tema nacional?
Porque a partir de agora estou querendo discutir o futuro e não mais o passado. Eu tenho todo o respeito pelo passado, adoro os filmes que fiz, adoro minha obra. Aliás, meus filmes não são voltados para o passado, são voltados para uma reflexão que ajuda a construir o presente e, de uma certa forma, o futuro. Mas estou muito preocupado. Na verdade esse filme nasceu de uma conversa minha com (o jornalista e escritor) Eduardo Galeano, em Montevidéu (no Uruguai), há uns dois anos, em que discutíamos o mundo, o futuro, a vida.
Em “O veneno está na mesa”, já lançado, o documentarista mostra que o Brasil está envenenando diariamente sua população a partir do uso abusivo de agrotóxicos nos alimentos. Em um ranking para se envergonhar, o brasileiro é o que mais consome agrotóxico em todo o mundo, sendo 5,2 litros a cada ano por habitante. As consequências, como mostra o documetário, são desastrosas.
Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, Silvio Tendler diz que o problema está no modelo de desenvolvimento brasileiro. E seu filme, que também é um produto da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, capitaneada por uma dezena de movimentos sociais, nos leva a uma reflexão sobre os rumos desse modelo.
Confira a entrevista:
Você que é um especialista em registrar a história do Brasil, por que resolveu documentar o impacto dos agrotóxicos sobre a agricultura e não um outro tema nacional?
Porque a partir de agora estou querendo discutir o futuro e não mais o passado. Eu tenho todo o respeito pelo passado, adoro os filmes que fiz, adoro minha obra. Aliás, meus filmes não são voltados para o passado, são voltados para uma reflexão que ajuda a construir o presente e, de uma certa forma, o futuro. Mas estou muito preocupado. Na verdade esse filme nasceu de uma conversa minha com (o jornalista e escritor) Eduardo Galeano, em Montevidéu (no Uruguai), há uns dois anos, em que discutíamos o mundo, o futuro, a vida.
E
o Galeano estava muito preocupado porque o Brasil é o país que mais consumia
agrotóxico no mundo. O mundo está sendo completamente intoxicado por uma
indústria absolutamente desnecessária e gananciosa, cujo único objetivo realmente
é ganhar dinheiro. Quer dizer, não tem nenhum sentido para a humanidade que
justifique isso que se está fazendo com os seres humanos e a própria terra. A
partir daí resolvi trabalhar essa questão.
Conversei
com o João Pedro Stédile (coordenador do Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem-Terra), e ele disse que estavam preocupados com isso também. Por
coincidência, surgiu a Campanha Permanente contra os Agrotóxicos, movida por
muitas entidades, todas absolutamente muito respeitadas e respeitáveis. Fizemos
a parceria e o filme ficou pronto. É um filme que vai ter desdobramentos,
porque eu agora quero trabalhar essas questões.
Então seus próximos documentários deverão tratar desse tema?
Para você ter uma ideia, no contrato inicial desse documentário consta que ele seria feito em 26 minutos, mas é muita coisa para falar. Então ficou em 50 (minutos). E as pessoas quando viram o filme, ao invés de me dizerem “está muito longo”, disseram “está curto, você tem que falar mais”.
Então seus próximos documentários deverão tratar desse tema?
Para você ter uma ideia, no contrato inicial desse documentário consta que ele seria feito em 26 minutos, mas é muita coisa para falar. Então ficou em 50 (minutos). E as pessoas quando viram o filme, ao invés de me dizerem “está muito longo”, disseram “está curto, você tem que falar mais”.
Quer
dizer, tem que discutir outras questões, e aí eu me entusiasmei com essa ideia
e estou querendo discutir temas conexos à destruição do planeta por conta de um
modelo de desenvolvimento perverso que está sendo adotado. Uma questão para ser
discutida de forma urgente, que é conexa a esse filme, é o agronegócio. É o
modelo de desenvolvimento brasileiro.
Quer
dizer, porque colocar os trabalhadores para fora da terra deles para que vivam
de forma absolutamente marginal, provocando o inchaço das cidades e a perda de
qualidade de vida para todo mundo, já que no espaço onde moravam cinco, vão
morar 15? Por que se plantou no Brasil esse modelo que expulsa as pessoas da
terra para concentrar a propriedade rural em poucas mãos, esse modelo de
desenvolvimento, todo ele mecanizado, industrializado, desempregando mão de
obra, para que algumas pessoas tenham um lucro absurdo?
E
tudo está vinculado à exploração predatória da terra. Por que nós temos que
desenvolver o mundo, a terra, o Brasil em função do lucro e não dos direitos do
homem e da natureza? Essas são as questões que quero discutir.
Você também mostrou que, até mesmo os trabalhadores que não foram expulsos do campo, estão morrendo por aplicarem agrotóxicos nas plantações. O impacto na saúde desses agricultores é muito grande…
É mais grave que isso. Na verdade, o cara é obrigado a usar o agrotóxico. Se ele não usar o agrotóxico, ele não recebe o crédito do banco. O banco não financia a agricultura sem agrotóxico. Inclusive, tem um camponês que fala isso no filme, o Adonai. Ele conta que no dia em que o inspetor do banco vai à plantação verificar se ele comprou os produtos, se você não tiver as notas da semente transgênica, do herbicida, etc., você é obrigado a devolver o dinheiro.
Você também mostrou que, até mesmo os trabalhadores que não foram expulsos do campo, estão morrendo por aplicarem agrotóxicos nas plantações. O impacto na saúde desses agricultores é muito grande…
É mais grave que isso. Na verdade, o cara é obrigado a usar o agrotóxico. Se ele não usar o agrotóxico, ele não recebe o crédito do banco. O banco não financia a agricultura sem agrotóxico. Inclusive, tem um camponês que fala isso no filme, o Adonai. Ele conta que no dia em que o inspetor do banco vai à plantação verificar se ele comprou os produtos, se você não tiver as notas da semente transgênica, do herbicida, etc., você é obrigado a devolver o dinheiro.
Então
não é verdade que se dá ao camponês agricultor o direito de dizer “não quero
plantar transgênico”, “não quero trabalhar com herbicidas”, “quero trabalhar
com agricultura orgânica, natural”. Porque para o banco, a garantia de que a
safra vai vingar não é o trabalho do camponês e a sua relação com a terra, são
os produtos químicos que são usados para afastar as pestes, afastar pragas.
Esse modelo está completamente errado.
O
camponês não tem nenhum tipo de crédito alternativo, que dê a ele o direito de
fazer um outro tipo de agricultura. E aí você deixa as pessoas morrendo como
empregadas do agronegócio, como tem o Vanderlei, que é mostrado no filme.
Depois de três anos fazendo a tal da mistura dos agrotóxicos, morreu de uma
hepatopatia grave. Tem outra senhora, de 32 anos, que está ficando totalmente
paralítica por conta do trabalho dela com agrotóxico na lavoura do fumo.
A impressão que dá é que os brasileiros estão se envenenando sem saber. Você acha que o filme pode contribuir para colocar o assunto em discussão?
Eu acho que a discussão é exatamente essa, a discussão é política. Eu, de uma certa maneira, despolitizei propositadamente o documentário. Eu não queria fazer um discurso em defesa da reforma agrária ou contra o agronegócio para não politizar a questão, para não parecer que, na verdade, a gente não quer comer bem, a gente quer dividir a terra. E são duas coisas que, apesar de conexas, eu não quis abordar.
A impressão que dá é que os brasileiros estão se envenenando sem saber. Você acha que o filme pode contribuir para colocar o assunto em discussão?
Eu acho que a discussão é exatamente essa, a discussão é política. Eu, de uma certa maneira, despolitizei propositadamente o documentário. Eu não queria fazer um discurso em defesa da reforma agrária ou contra o agronegócio para não politizar a questão, para não parecer que, na verdade, a gente não quer comer bem, a gente quer dividir a terra. E são duas coisas que, apesar de conexas, eu não quis abordar.
Eu
não quis, digamos assustar a classe média. Eu só estou mostrando os malefícios
que o agrotóxico provoca na vida da gente para que a classe média se convença
de que tem que lutar contra os agrotóxicos, que é uma luta que não é
individual, é uma luta coletiva e política. Tem muita gente que parte do
princípio “ah, então já sei, perto da minha casa tem uma feirinha orgânica e eu
vou me virar e comer lá”, porque são pessoas que têm maior poder aquisitivo e
poderiam comprar.
Mas
a questão não é essa. A questão é política, porque o agrotóxico está infiltrado
no nosso cotidiano, entendeu? Queira você ou não, o agrotóxico chega à sua mesa
através do pão, da pizza, do macarrão. O trigo é um trigo transgênico e chega a
ser tratado com até oito cargas de pulverizador por ano. Você vai na pizzaria
comer uma pizza deliciosa e aquilo ali tem transgênico.
O
que você está comendo na sua mesa é veneno. Isso independe de você. Hoje nada
escapa. Então, ou você vai ser um monge recluso, plantando sua hortinha e sua
terrinha, ou você é uma pessoa que vai ficar exposta a isso e será obrigada a
consumir.
Como você avalia o governo Dilma a partir dessa política de isenção fiscal para o uso de agrotóxico no campo brasileiro?
Deixa eu te falar: o governo Dilma está começando, então não dá para responsabilizá-la por essa política. Na verdade esse filme vai servir de alerta para ela também. Muitas das coisas que são ditas no filme, eles (o governo) não têm consciência. Esse filme não é para se vingar de ninguém. É para alertar. Quer dizer, na verdade você mora em Brasília, você está longe do mundo, e alguém diz para você “ah, isso é frescura da esquerda, esse problema não existe”, e os relatórios que colocam na sua mesa omitem as pessoas que estão morrendo por lidar diretamente com agrotóxico.
Como você avalia o governo Dilma a partir dessa política de isenção fiscal para o uso de agrotóxico no campo brasileiro?
Deixa eu te falar: o governo Dilma está começando, então não dá para responsabilizá-la por essa política. Na verdade esse filme vai servir de alerta para ela também. Muitas das coisas que são ditas no filme, eles (o governo) não têm consciência. Esse filme não é para se vingar de ninguém. É para alertar. Quer dizer, na verdade você mora em Brasília, você está longe do mundo, e alguém diz para você “ah, isso é frescura da esquerda, esse problema não existe”, e os relatórios que colocam na sua mesa omitem as pessoas que estão morrendo por lidar diretamente com agrotóxico.
Vão
todas (as mortes) para as vírgulas das estatísticas, entendeu? Acho que está na
hora de mostrar que muitas vidas não seriam sacrificadas se a gente partisse
para um modelo de agricultura mais humano, mais baseado nos insumos naturais,
no manejo da terra, ao invés de intoxicar com veneno os rios, os lagos, os
açudes, as pessoas, as crianças que vivem em volta, entendeu? Eu acho que seria
ótimo se esse filme chegasse nas mãos da presidenta e ela pudesse tomar
consciência desse modelo que nós estamos vivendo e, a partir daí, começasse a
mudar as políticas.
No documentário você optou por não falar com as empresas produtoras de agrotóxicos. Essa ideia ficou para um outro documentário?
É porque eu não quis fazer um filme que abrisse uma discussão técnica. Se as empresas reclamarem muito e pedirem para falar, eu ouço. Eu já recebi alguns pedidos e deixei as portas abertas. No Ceará, eu filmei um cara que trabalha com gado leiteiro que estava morrendo contaminado por causa de uma empresa vizinha. Eu filmei, a empresa vizinha reclamou e eu deixei a porta aberta, dizendo “tudo bem, então vamos trabalhar em breve isso num outro filme”.
No documentário você optou por não falar com as empresas produtoras de agrotóxicos. Essa ideia ficou para um outro documentário?
É porque eu não quis fazer um filme que abrisse uma discussão técnica. Se as empresas reclamarem muito e pedirem para falar, eu ouço. Eu já recebi alguns pedidos e deixei as portas abertas. No Ceará, eu filmei um cara que trabalha com gado leiteiro que estava morrendo contaminado por causa de uma empresa vizinha. Eu filmei, a empresa vizinha reclamou e eu deixei a porta aberta, dizendo “tudo bem, então vamos trabalhar em breve isso num outro filme”.
Se
as empresas que manipulam e produzem agrotóxico me chamarem para conversar, eu
vou. E vou me basear cientificamente na questão porque eles também são craques
em enrolar. Querem provar que você está comendo veneno e tudo bem (risos). E eu
preciso de subsídios para dizer que não, que aquele veneno não é necessário
para a minha vida.
Nesse
primeiro momento, eu quis botar a discussão na mesa. Algumas pessoas já
começaram a me assustar, “você vai tomar processo”, mas eu estou na vida para
viver. Se o cara quiser me processar por um documentário no qual eu falei a
verdade, ele processa pois tem o direito. Agora, eu tenho direito como
cineasta, de dizer o que eu penso.
Esse filme será lançado somente no Rio de Janeiro ou em outras capitais também?
Eu estou convidado também para ir para Pernambuco em setembro, mas o filme pode acontecer independente de mim. Esse filme está saindo com o selinho de “copie e distribua”. Ele não será vendido. A gente vai fazer algumas cópias e distribuir dentro do sentido de multiplicação, no qual as pessoas recebem as cópias, fazem novas e as distribuem.
Esse filme será lançado somente no Rio de Janeiro ou em outras capitais também?
Eu estou convidado também para ir para Pernambuco em setembro, mas o filme pode acontecer independente de mim. Esse filme está saindo com o selinho de “copie e distribua”. Ele não será vendido. A gente vai fazer algumas cópias e distribuir dentro do sentido de multiplicação, no qual as pessoas recebem as cópias, fazem novas e as distribuem.
O
ideal é que cada entidade, e são mais de 20 bancando a Campanha, consiga
distribuir pelo menos mil unidades. De cara você tem 20 mil cópias para serem
distribuídas. E depois nós temos os estudantes, os movimentos sociais e
sindicais, os professores. Vai ser uma discussão no Brasil. Temos que levar
esse documentário para Brasília, para o Congresso, para a presidenta da
República, para o ministro da Agricultura, para o Ibama. Todo mundo tem que ver
esse filme.
A expectativa é boa então?
Sim. Eu sou um otimista. Sempre fui.
A expectativa é boa então?
Sim. Eu sou um otimista. Sempre fui.
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