A casa da beleza
Cláudio Pastro
Revista Vida
Patoral, jul/ago 2009
1. O programa
iconográfico do lugar da celebração cristã
O que é o espaço
sagrado?
O espaço sagrado é
um receptáculo
que permite à graça
se manifestar
e é a unidade
representativa do espaço
que refletirá na
unidade e identidade
do cristão.
1.1. O mapa do espaço
O programa
iconográfico de uma igreja é o mapa com que o cristão faz a leitura de sua fé: o que é ser
cristão, o que celebra, para que e por que esse espaço, a que o cristão é
convidado a participar nesse espaço… E essa leitura é feita por meio dos
materiais, das formas, dos tratos que damos ao ambiente. Esses materiais,
formas e posturas são os do Espírito que aí vive, e não dos negócios humanos.
Quando se realiza uma igreja e sua
ambientação, em geral o programa iconográfico é esquecido e até ignorado.
Assim, muitas vezes, nossas igrejas estão mais para Babilônia do que para
Jerusalém. Cada um faz do espaço/igreja mais ou menos o que quer.
O programa iconográfico existe para
orientar, educar, conduzir e introduzir o fiel no mistério do Deus trino, na
comunhão dos santos. Todas as paredes, pinturas, pisos, imagens, até um simples
trinco e prego são, nesse espaço, a extensão do que aí se celebra e, portanto,
são mistagógicos, isto é, condutores. Toda essa matéria foi dignificada pelo
Espírito, que a escolheu e, assim, nos conduz ao Senhor da vida, ao Senhor da
Igreja: assembleia que nesse lugar o escuta, o louva e faz o seu (dele)
memorial.
O programa iconográfico é a
“visualização” daquilo que se celebra; é a “visualização” do Invisível presente
entre nós: “Onde dois ou três estão reunidos em meu nome, aí estou no meio
deles” (Mt 18,20).
Portanto, das
paredes às pinturas, das alfaias às vestes, do material do piso ao material do
altar (e ambão, sédia e batistério), das imagens à nossa postura
(corpo-imagem), tudo compreende o programa iconográfico. Se o que celebramos é
Cristo, tudo deve revelar o Cristo em nós.
1.2. Como executar o programa
Bispo, padres,
conselho da paróquia, assembleia e engenheiros, arquitetos, demais pessoas,
enfim, todos devem ter claro por que e para que existe esse espaço-igreja, de tal maneira
que uma janela, uma lâmpada, uma porta etc. devem nos conduzir ao centro e razão
desse espaço: Jesus Cristo.
Em que estilo será feito o edifício?
Que piso e que orientação no piso? Serão necessários vitrais? Como será a luz?
Serão necessárias imagens? Quais
adornos? Supérfluos ou simbólicos? Que
móveis?
Corresponde tal estilo com vitrais ou
com madeira? Os paramentos, cheios de
rendas rococós e próprios do século XVIII, casam com um edifício contemporâneo?
Etc. etc. etc.
Notemos: não há um estilo formal
próprio da Igreja católica. O que sempre houve foram expressões unitárias de
seu tempo (veja a arte basilical, a românica, a gótica, a clássica, a barroca,
os “neos”…), e isso segundo os conceitos de liturgia que foram se transformando
ao longo dos séculos. Hoje é preciso perscrutar os documentos do Concílio
Ecumênico Vaticano II a respeito da liturgia e do ser da Igreja.
Antes de construir ou reformar
1º A primeira e melhor indicação será
consultarmos o Missal Romano e aprendermos o que é o culto cristão, a
missa ou eucaristia, com seus sacramentos conjuntos: o batismo e a confirmação.
2º Depois, devemos estudar o Ritual
de Dedicação de Igreja e de Altar, rico em simbologia e fundamentos.
3º Em seguida,
optativamente, ler com amor o livro do Apocalipse, que certamente nos
dará luz a respeito do espaço e da celebração cristã. A missa é a atualização
do Apocalipse.
Quando se constrói ou se
reforma uma igreja, é tempo de revermos o que é ser Igreja. A
igreja de pedras reflete a invisível que está em nós. O pior é quando reflete
aquilo que não somos.
O centro / a unidade / o microcosmo
O único centro de nossa
fé é Jesus Cristo. Portanto, tudo o que
se realiza no espaço celebrativo cristão é para revelar aquilo que somos e
vivemos em essência: POR CRISTO, COM CRISTO e EM CRISTO.
O programa iconográfico
do espaço é continuidade do memorial pascal aí celebrado. A imagem
(iconografia) do espaço também é celebração.
Se tivermos consciência de que esse espaço é “o limiar da
Jerusalém celeste”, então todo o lugar será harmonioso, com o mínimo de
elementos para ressaltar o principal e com uma unidade de material, cor, estilo… pois se
trata de um espaço do Deus uno e não um showroom,
onde se tem de tudo um pouco, como num mercado. O diabo é sempre múltiplo
(legião). É bom aqui lembrar que o mundo externo, lá onde vivemos, é caótico, e
o espaço-igreja é a Jerusalém, o lugar
da Esposa do Cristo, um espaço-unidade que nos permite
reviver e renascer a cada domingo-Páscoa até a Páscoa definitiva.
Corpo, alma e espírito
O próprio espaço é por
si educativo e orante e deve falar a todos do mistério que aí se celebra, do
presidente da assembleia ao último fiel ou visitante.
Como num labirinto, o arquiteto, o artista, o engenheiro da
estrutura, do som, da luz, todos devem fazer que tudo conduza a atenção para o centro da celebração cristã e nada distraia a
pessoa da razão primeira do edifício.
Esse espaço é um
microcosmo, um universo, e, portanto, os espaços devem ser amplos (à medida do
possível), pois é a experiência de habitar nesse espaço cosmológico que nos
fará antecipar “vivencialmente” as promessas evangélicas que nem sempre se
realizam no dia a dia. A construção de um espaço ideal antecipa em nós a
verdade que nem sempre se concretiza.
Não só a cabeça, mas o corpo, a alma e o espírito necessitam
ver, tocar, sentir, experimentar a beleza evangélica. Assim, o cuidado com os
materiais empregados (plástico não é pedra, a ilusão da luz não é a luz
natural…) deve revelar aos nossos sentidos o frescor das promessas do Cristo.
Atenção! Hoje nos inspiramos no imediato da experiência do shopping (toda a vida é shopping:
luzes, falsas paredes, purpurinas, enfeites, imitações…), porém, a experiência
de ser Igreja nos conduz (corpo, alma, espírito) a uma ascese, a uma limpeza,
para tratarmos das coisas do Cristo, do espaço do Cristo, e assim, como
batizados, podermos viver Cristo em nós = CRISTÃO.
O corpo é o lugar do
Espírito, aquele que encarna o mistério em nós, e nossa postura, tom de voz,
gestos e vestes serão o maior símbolo representativo do Espírito ou derrubarão
por terra todo o nosso fazer missionário e nossas preocupações com construções.
O pior é que, neste último caso, seremos sempre insatisfeitos, além de darmos
contratestemunho. Numa celebração, o que mais fala é o corpo de quem a preside.
“O olho é a lâmpada do corpo” (Mt 6,22-23)
O desejo de limpar o
olhar nos prevenirá de trazer a poluição externa (visual, sonora, material…)
para dentro do espaço do Cristo, aquele que limpa o nosso olhar e filtra os
nossos sentidos pela ação do evangelho e da eucaristia em nós. A ascese é a
palavra mais adequada ao cristão. Devemos tomar cuidado com o vulgar quando
pensamos que qualquer coisa pertence ao Cristo, seja do jeito que for. Essa
atitude banaliza e destrói.
No cristianismo, o
sentido de beleza não é necessariamente o mesmo do consenso comum (da moda, do
mercado atual…).
O olhar forma mais que as palavras
O olhar centrado no
Cristo é a razão do cristão e revela-nos a força do Novo Adão, “o mais belo dos
filhos dos homens”, de modo que nos espelhemos naquilo que realmente somos:
“imagem e semelhança”.
Uma pessoa, ao entrar no
espaço-igreja, ou entrará no mistério e sentir-se-á amada, envolta pela oração,
ou fará simples incursão, como numa sala qualquer; entrará numa mentira a mais
nesta sociedade.
O espaço cristão tem a função de nos conduzir à conversão. A unidade e a harmonia
do lugar refletirão em mim e indicarão a grandeza que sou como batizado, apesar
dos limites humanos. O espaço deve nos mostrar que vale a pena ser cristão.
A matéria é a voz do silêncio, é a palavra contida. Se Cristo é
o Deus encarnado em nós, então nossos gestos e realizações são a Palavra, o Logos,
a Sabedoria que faz as coisas belas.
1.3. Arte sacra ou de culto e arte religiosa ou de devoção
Nem tudo o que parece é.
Para trabalharmos num programa iconográfico, precisamos distinguir dois tipos
de arte — arte de culto (sacra) e arte de devoção (religiosa) —, pois há dois
tipos de oração: oração subjetiva e oração objetiva. Cada coisa em seu lugar. Nem toda arte cabe num espaço celebrativo,
assim como há orações diferentes.
Arte sacra ou de culto
Arte sacra é a arte que
está a serviço da liturgia. Independe dos sentidos e sentimentos humanos. É uma
arte com consciência comunitária, isto é, com o senso objetivo de ser Igreja,
com o senso da objetividade de Deus: só Deus é, e o mundo é sua criatura. A
arte sacra é um sentir com a Igreja. A imagem de culto vem do mistério em si,
de sua transcendência, e se dirige à própria transcendência. Essa imagem não é
fruto da interioridade humana e psicológica.
A arte de culto não diz “isso é o Cristo” ou “isso representa
Cristo”, mas uma terceira coisa: “aqui está presente o Cristo”. Esta,
sim, indica a presença do mistério entre nós, o litúrgico e o simbólico. O
artista que a realiza é um homem de fé que vive dos sacramentos da Igreja e serve
à ação do Espírito Santo.
A arte de culto
contempla os principais mistérios de nossa fé celebrados durante o ano
litúrgico. Eis alguns exemplos: Cristo Mestre (Pantocrator), o Bom Pastor, o
Semeador, o Cristo Ressuscitado bíblico (por exemplo, com Madalena, à beira do
lago, junto aos apóstolos). Não um Ressuscitado “voando” (isso é fruto da
imaginação humana e não tem objetividade). A imagem de culto leva à adoração,
ao respeito, à comoção, ao temor.
Arte religiosa ou de devoção
Esta vem da interioridade do indivíduo crente, da imaginação do
artista ou dos costumes regionais de um povo, da piedade popular. Ela é fruto
da relação entre mim e Deus, da minha intimidade (eu gosto desse ou daquele
santo, essa Nossa Senhora me agrada mais etc.). Essa arte é dispensável ao ser da Igreja. Se não existir, não
faz falta para a celebração dos divinos mistérios. É mais um reflexo humano de
sensibilidade (me agrada) do que uma “imposição” do Alto.
Esse tipo de arte pode
estar em minha casa, numa sala ou salão, mas nunca no espaço comum do ser
Igreja. Infelizmente esse tipo de arte, comercialmente, se propagou mais nos
últimos séculos, mas muitas vezes o devocional chega a mascarar a verdadeira
religião, leva a fanatismos e até ao enfraquecimento da fé e do sentimento de
ser Igreja, povo de Deus, pois nela predomina o individualismo. Exemplo: são
Sebastião, são Benedito, santo Expedito, são Judas, santa Teresinha, Nossa
Senhora disso ou daquilo e uma série longa de devocionismos que não são a
essência de nossa fé.
Atenção! Graficamente, a
arte sacra tem desenho e cores precisas, chapadas. Não é tão observado o
claro-escuro, nem o desenho é muito acadêmico, e nem mesmo é respeitada a
perspectiva. O ícone oriental é um exemplo.
Na arte religiosa
predomina a luz e a sombra, a perspectiva, o ilusionismo, a paisagem, o
drapejado das vestes e certo ar romântico na obra, que é meramente subjetiva.
1.4. A oração subjetiva e a oração objetiva
O cristianismo é uma
religião do transcendente, do “Totalmente Outro”. Um é o Criador, e o outro a
criatura. O cristão busca a sua verdadeira face naquele que o precede, o cria,
o ama e vai ao seu encontro. O homem, por si mesmo, de pouco ou quase nada é
capaz.
“É a tua face, Senhor, que eu busco” (Sl 27,8).
“Volta o teu olhar para a face do teu ungido” (Sl 83,10).
Duas são as formas
de oração, de postura perante a divindade: a oração subjetiva e a oração
objetiva. Portanto, também duas são as expressões de arte: arte de culto ou
sagrada e arte de devoção ou religiosa.
A oração subjetiva
A oração subjetiva é
individual. Procede da interioridade do crente, da relação de intimidade entre
a pessoa e Deus. Essa oração é mais um reflexo humano da sensibilidade, um
deixar-se conduzir pelos sentimentos, do que escuta do Alto. É o humano que
fala, se coloca com suas questões, luta. Nesse caso é difícil distinguirmos
entre o “eu-psicológico” e o Deus criador e redentor. Muitas vezes, ela parte
de costumes regionais, da piedade popular. Por vezes, leva ao fanatismo e chega
a mascarar a própria religião, enfraquecendo a fé por não se alimentar de seus
próprios fundamentos.
A oração subjetiva,
apesar de partir de fatos objetivos, permanece no âmbito pessoal. Exemplo: o
crente tem devoção a certo santo e tudo reduz a ele. Apesar de tomá-lo como exemplo
de vida e intercessor, a sua linguagem e postura não criam elos de comunhão e
de linguagem universal com os demais crentes. Tal atitude é uma parte do ser
Igreja, e não o corpo todo.
O crente pode
interpretar a palavra divina ao seu modo, mas não chega a compreender-se no
conjunto da história da salvação, na eclesialidade, no corpo místico. Fica no
“eu e Deus”. A oração subjetiva pode, porém, ter como aspecto positivo a adesão
pessoal, o tempo de namoro, a resposta individual ao mistério. Há um rebaixamento
do humano, que se sabe criatura, e não Criador. O fiel não é o centro, mas
necessita da graça, do Outro, para viver. Terá no santo alguém para se espelhar
na conduta da vida e, humildemente, pede a intercessão de quem o representará
perante a divindade, pois se sabe pecador e indigno.
A oração objetiva
A oração objetiva é
impessoal e nos vem do ser do próprio mistério que nos chama à vida. Ela é
comunitária e litúrgica, pois independe do fiel. Em verdade, a oração objetiva
vem de longe — da história da salvação —, caminhou milênios com um povo, chegou
até nós criando laços e educando. É o próprio Deus quem reza em nós, sua
“imagem e semelhança”, e nos ensina a sua linguagem, a sua maneira de ser.
A oração objetiva independe dos sentimentos humanos. Deus é
“aquele que é”, e o homem, sua criatura, é convidado a ser um consigo. O homem cala e escuta.
A oração objetiva nos
coloca diante da presença de Deus; ela é a própria presença dele em nós e entre
nós. Um e todos bebem da mesma e única fonte, respiram o mesmo sopro, aprendem
e falam a mesma língua.
A oração objetiva conduz
todos à adoração, ao silêncio, à escuta comum, ao respeito, à comoção, ao
temor.
Exemplo: o Ofício Divino
comunitário (a oração dos salmos) é o tempo em que Deus reza em nós, emite o
seu Espírito e paulatinamente vai nos educando a seu modo. Essa oração é
milenar e universal, faz parte do povo de Deus, independe da boa vontade do crente.
Essa é a oração da Igreja rezada sete vezes ao dia. A “salmodiação”, o
canto-chão nos faz respirar Deus. Assim, passamos a pensar, ver, agir, julgar e
mover-nos como e em Deus.
Outra grande oração
objetiva, a maior, é a eucaristia. Na eucaristia, todos na comunidade, e em
todas as comunidades do mundo, escutam a mesma palavra e comungam do mesmo
Corpo e Sangue.
A oração objetiva é
litúrgica e indispensável, pois está centrada no único cerne da fé: Jesus
Cristo. Ele é o único santo que a tudo e a todos santifica.
2. O programa iconográfico do edifício igreja
Em primeiro lugar, para
o bom êxito desse programa, é preciso ter claro que toda ação desenvolvida
nesse espaço é um mistério (sagrado) e, portanto, não se trata de um lugar
simplesmente humano. E também que a razão desse edifício é a liturgia
eucarística e tudo o mais que decorre dessa ação. A noção de sagrado (mistério)
é fundamental, assim como a de sacrifício. Em verdade, somos convidados a
participar nesse espaço do “Um Outro”. No espaço sagrado não vamos ao encontro
de nós mesmos, mas de um Outro que dá sentido à minha vida, à vida comum do
povo de Deus e corpo místico de Cristo.
2.1. O presbitério
Esse espaço amplo (o
possível) contém apenas: ambão, altar, sédia, cruz processional e credência.
Como o altar é o centro, temos de deixar livre, em torno dele, 2,50 m (o
mínimo) em todas as direções. Por quê? Porque temos de pensar em várias
liturgias (celebrações) ao longo do ano litúrgico, além de ordenações,
casamentos, funerais… O linguajar comum chama o presbitério de altar. Atenção:
presbitério é o lugar que recebe o altar, mesa da celebração.
Todas as peças
mencionadas são expressões simbólicas do Cristo celebrante e, à exceção da
credência e da cruz, serão todas do mesmo material e estilo, pois nos revelam
uma mesma realidade. Essas peças estarão, durante o dia, desnudas, para que
sobressaia o simbolismo que elas contêm.
Atenção aos degraus. O
altar não estará sobre um “bolo de noiva”. Para boa visibilidade, basta amplo
espaço. Dependendo do lugar, um, dois degraus ou três no máximo.
ALTAR
Terá dimensões sóbrias —
95 cm de altura — e poderá ser quadrado, com 1 m x 1 m ou 1,30 m x 1,30 m.
Se retangular (por maior
que seja a igreja), não necessita ter mais que 1,50 m x 0,80 m ou 1,70 m x 0,80
m.
O altar poderá ser feito em pedra maciça ou em folhas de pedra,
em madeira ou em combinação de pedra e madeira e/ou em ferro. Jamais de
plástico, fórmica ou vidro, materiais que não revelam firmeza e estabilidade.
Sobre ele teremos (após o evangelho) toalha, corporal, cálice, patena e missal,
nada mais. Velas, flores, galhetas etc. estarão sempre fora. Numa celebração, segue-se a
mesma regra. Junto ao altar, apenas o presidente e dois auxiliares. A ação do
Cristo não será maior ou menor se houver muita gente próxima ou distante do
altar.
O altar é mesa de um
banquete sacrifical (pascal) e em hipótese alguma deve parecer com mesas de
bufê de festas. O altar é simples ARA, extensão do mistério da cruz.
Sobriedade, simplicidade e discrição darão elegância e dignidade a essa central
e preciosa peça.
O altar pequeno dá-nos a
noção de sacrifício, condição básica para o espírito de sagrado que parece
estar desaparecendo de nossas celebrações, cada vez mais racionais e
secularizadas. Pensa-se hoje só na dimensão “banquete” e esquece-se do mistério
pascal.
TOALHA
O material em si deve
ser belo (linho ou outro bom tecido), para que não necessite de rendinhas,
bordados… A toalha em si já é simbólica. Pode simplesmente cair nas laterais do
altar ou apenas cobrir a mesa ao alto. Muitas vezes o altar (Cristo) parece
estar vestido com uma longa saia ou ser uma mesa de salão de festas. Em ambos
os casos desaparece o altar, centro da celebração.
CRUZ
A cruz processional
estará exatamente no centro, à frente do altar, ou uma cruz poderá pender sobre
o altar. Será uma cruz simples, instrumento de nossa vitória, trazendo o
crucificado ou não.
CASTIÇAIS
Dois simples castiçais
estarão à direita e à esquerda do altar ou junto à cruz processional.
FLORES
Toda decoração é perigosa,
pois o excesso pode matar o essencial. Basta um pequeno vaso aos pés da cruz
processional — mesmo assim, dependendo do tempo litúrgico.
O cuidado na preparação
das flores também deverá refletir o mistério que se celebra. Adornos falsos em
tecido, plástico, papel etc. deverão ser evitados. Liturgia não é teatro
(cenário) ou coisa que o valha.
VELAS
As velas refletem a luz
do Cristo, sua presença misteriosa nesse lugar, e são um prolongamento do círio
pascal. Portanto, devem ser discretas, se possível de cera de abelha. Nada de
velas coloridas, pois o importante é a luz.
CÍRIO PASCAL
O círio pascal indica a
presença do Ressuscitado e estará no presbitério, de preferência em frente ao
ambão, durante o tempo pascal. O resto do ano permanece no batistério e poderá
ser usado em grandes ocasiões, como ordenações, primeira comunhão, confirmação
e até em velórios, em frente ao esquife.
O círio contém apenas os
sinais como a cruz, o ano e as letras alfa e ômega, mais os cravos. Em si ele
já é belo e sinal, não havendo necessidade de outros aparatos.
AMBÃO
O ambão segue o mesmo
princípio do altar e é o lugar que precede a liturgia eucarística. Assim, é o
centro (não físico) da primeira parte da liturgia. Em si, desnudo, é peça alta
que anuncia e testemunha o Cristo. Não há dois ambões, pois uma só é a palavra
de Deus. Não é lugar para comentários e recados, pois faz uma só peça com o
altar e, portanto, é feito do mesmo material deste.
2.2. Imagens, pinturas, vitrais, via-sacra…
A iconografia, em si,
deve formar unidade com a arquitetura. Não se pinta ou se enche de imagens esse
espaço ao bel-prazer.
VITRAIS
Em geral, quando há
pinturas de arte no espaço, não haverá vitrais figurativos, mas apenas
abstratos. Os vitrais, porém, são sempre uma opção.
PINTURAS
A visualização total do espaço deve ser unitária. Por exemplo,
no presbitério, preferencialmente, podemos ter ou uma pintura do Cristo
Pantocrator, ou um motivo ligado ao Ressuscitado ou ao Bom Pastor, ou ainda o
cordeiro pascal. Dessa cena central decorrerão as demais cenas (em pinturas ou
imagens) do evangelho ou do Antigo Testamento, formando uma Biblia
pauperum. É a palavra
de Deus em forma e cores.
IMAGENS
No presbitério nunca se
colocam imagens ou pinturas da Mãe de Deus ou de santos, exceto as já
existentes em igrejas anteriores ao Concílio Vaticano II, quando a concepção do
espaço era outra.
Quando a Mãe de Deus for
ao trono do Cristo, então teremos uma exceção, pois o Cristo ainda permanece o
centro.
É bom nunca esquecer que
nossos espaços celebrativos são cristocêntricos. Somos cristãos, e não
“mariãos”, menos ainda “santãos”.
Toda igreja será
dedicada a Deus e, às vezes, em honra de determinado santo, por exemplo, santo
Agostinho. Aí será bom salientar a centralidade de Cristo (que é aquele que a
tudo santifica) para esse santo, e assim, depois, nas paredes laterais,
poderemos ou não dar continuidade ao realce da vida do próprio santo. Aqui é
bom lembrar e distinguir o que é arte sacra e arte religiosa. Jamais a arte de
devoção estará no presbitério.
CRUZES DE CONSAGRAÇÃO
As cruzes de
consagração, com uma pequena vela, estarão ao longo da igreja (se forem 12), do
presbitério à porta de entrada. Se forem apenas quatro, estarão nos quatro
ângulos da igreja. Essas cruzes, em geral pequenas (com mais ou menos 20
centímetros de altura), serão ou do mesmo material do altar, ou em ferro ou
bronze, ou ainda apenas incisas no reboco da parede.
NAVE
Nos últimos séculos (do
XVI para cá), herdamos da Reforma Protestante bancos com genuflexórios. As
nossas igrejas (quase sempre basilicais: onde o Rei se apresenta — ver
Apocalipse) nunca tiveram bancos ou outros assentos que não portáteis. Hoje
precisamos repensar, pois jamais se senta em frente ao trono do Senhor e do
Cordeiro (= o altar), segundo o livro do Apocalipse. Nossa liturgia é dinâmica:
ora atentos à Palavra, ora abertos e disponíveis à eucaristia. A liturgia não
pode resumir-se à racionalidade da Palavra e menos ainda a devaneios
sentimentais. Ela é precisa, segundo os seus cânones.
Em geral, podemos usar boas cadeiras, dispostas em torno do
presbitério. Se o espaço for longitudinal, simples bancos pequenos. Os bancos
grandes criarão problemas de locomoção e transtornos na limpeza. Os bancos são
pesadões, caros e atrapalham. Esses bancos ou cadeiras não precisam de genuflexórios.
VIA SACRA
A via sacra é um ato
devocional e, como o nome bem diz, é “caminho”. Assim, é melhor que esteja no
jardim da igreja ou em suas paredes externas.
CAPELA DO SANTÍSSIMO
A capela do Santíssimo é
um espaço à parte, tranquilo, acolhedor, onde se encontram tão somente o
tabernáculo, genuflexórios e cadeiras. Aí nunca estará o crucificado ou
qualquer outra imagem, pois a presença real é óbvia.
BATISTÉRIO
Igualmente, o batistério
será um espaço à parte: uma bela capela ou sala junto ao ADRO, ou na entrada da
nave principal. Jamais no presbitério. Por conveniências e para ter uma
“plateia”, ele tem sido colocado junto ao presbitério. Assim, perde-se a grande
celebração mística desse sacramento de entrada do neocatecúmeno no corpo
místico. O batistério poderá ser feito de duas formas conjuntas numa só peça,
permitindo aspersão ou imersão. Será uma piscina com uma fonte e um longo banco
fixo nas quatro paredes, para que todos envolvam o mistério da iniciação
cristã. Quando estiver na entrada da nave, permitirá que todos os fiéis se
persignem ao entrar nesse espaço sagrado. À volta interna do batistério, nas
paredes, no teto ou na peça em si poderá existir a catequese catecumenal (os
evangelhos quaresmais e até o Antigo Testamento) em pinturas, baixos-relevos
etc.
3. Conclusão: O lugar da
unidade (consigo e com os demais)
O programa iconográfico
do edifício-igreja cria uma universalidade (catolicidade) dentro de um
microcosmo (unidade) onde todo fiel cristão, ao entrar, imediatamente
identifica a sua fé e todos se reconhecem em comunhão, membros do único corpo
místico. Como percebemos, esse espaço:
— é o espaço da
celebração cristã/liturgia;
— é um espaço
catequético/mistagógico que educa e vai conduzindo o fiel à Jerusalém celeste;
— é um espaço
referencial que orienta e organiza a vida, e não a descontrola, como faz o
mundo;
— é um lugar com
qualidade de vida, onde tudo está bem-feito e cuidado. Luxo não é beleza;
— indica-nos a beleza e a alegria do paraíso reaberto, onde quem
nos conclama tem seu modo de ser e agir e quer partilhar conosco a sua vida. Trata-se de lugar de festa, e não de bagunça;
— é da liturgia, e não local de reuniões, teatro, comícios, shows…;
— é do silêncio, a fim de escutarmos o Logos,
a Palavra, a Sabedoria. Aí a palavra humana não passa de blá-blá-blá;
— é do grande encontro
com Aquele que nos chama e gera novos e bons encontros;
— é, mais que os demais,
o lugar da presença do Invisível, a “tenda de Deus conosco” (Ap 21,3), espaço
do mistério que nos acolhe;
— é o lugar do
sacrifício pascal e seu memorial;
— é da tensão e atenção
(de vigilância) para com a criação e a redenção da vida;
— é o lugar do repouso,
do domingo, do dia do Senhor, espaço de oração e adoração;
— é o lugar da postura:
sempre se está atento e em pé em frente ao trono do Senhor e do Cordeiro. Por
isso, nossa postura ao sentar, levantar e caminhar, nosso tom de voz e nossos
gestos simples e solenes vão dando o referencial e diferencial cristão, de
homens e mulheres que já foram salvos, alegres e felizes.
O edifício cristão,
desde o exterior, testemunha Jesus Cristo: “as pedras gritam” (Lc 19,40). Desse
modo, o edifício-igreja é um universo à parte e, desde o exterior, sua
estrutura, forma e limpeza deverão testemunhar, revelar o Cristo, luz do mundo.
Os campanários são faróis que nos indicam VIDA. Esse edifício deve evitar ao
máximo parecer com os demais da sociedade. Não deverá parecer um cinema, um
ginásio de esportes, um prédio público qualquer. Não deve inspirar-se no
exterior, e sim no interior do mistério cristão.
Por que esse edifício
tem suas características próprias?
Não apenas por ser diferente, mas porque a igreja visível é
sinal da invisível, e imagem do cristão.
Aos poucos, esse espaço celebrativo vai se revelando como
um referencial que converterá o cristão, cada um de nós, no próprio lugar da presença de Cristo no mundo. Como bem nos
diz são Bernardo de Claraval: “Você mesmo é o lugar”.
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